Entre os praticantes de Wicca sempre é efervescente, e suscita debates inflamadíssimos, às vezes verdadeiras guerras, a questão da auto-iniciação. Em um extremo, os partidários das tradições rígidas a repelem com veemência, de outro lado, partidários das liberdades abominam a idéia de algum ser humano crer-se capaz de iniciar outro, porque o sacerdócio dos Deuses Antigos não admite intermediários... Com quem está a verdade? No meio desses dois extremos se alinham mil outros tipos de posturas: os que aceitam auto-iniciados se confirmados em covens (no instituto chamado Reconhecimento); os que crêem que a auto-iniciação tem validade como um compromisso entre a pessoa e os Deuses, mas não tem validade para permitir a um dia essa pessoa se tornar um iniciador; os que aceitam irrestritamente os auto-iniciados; os que aceitam auto-iniciados em determinadas circunstâncias...E novamente se coloca a pergunta: com quem está a verdade?
Ouso responder que a verdade não está com nenhum deles, ao mesmo tempo que está com todos. Vivemos uma religião pluralista, em que aceitar a diversidade é obrigação de todos. Não defendo desvirtuamento da Wicca enquanto religião, mas não creio tampouco que a verdade única esteja com as Tradições mais rígidas... Há que se temperar um pouco dessas opiniões, acolhendo e valorizando todas que, mantendo as regras mínimas definidoras de nossa religião, se expressam de múltiplas formas. A verdade é que, não obstante as opiniões mais rígidas, a Wicca moderna se flexibilizou a ponto de se poder afirmar ao examinar a comunidade pagã mundial que a auto-iniciação é uma realidade irrefutável.
Não se diga, também que isso é produto apenas de Scott Cuningham, dos livros apelativos ou da chamada "wicca moderna americana". Muitas tradições que hoje aceitam e respeitam auto-iniciados como autênticos sacerdotes e sacerdotisas dos Antigos surgiram de iniciados Gardnerianos e Alexandrinos, ou seja, têm base que os próprios Gardnerianos (os mais rígidos) forçosamente reconhecem....E ai????
Examinando o que ocorre desde que a auto-iniciação começou a ser veiculada como uma forma possível de ingressar na bruxaria, vemos fatos distintos acontecendo. Vamos examiná-los.
1º Fato - A auto-iniciação gera grandes problemas, pois muitas pessoas, sem vivência real da bruxaria, sem conhecimento nenhum da Tradição oral e sem conseguirem um elo com os Deuses suficiente a dar base a uma orientação direta e razoavelmente correta, acabam crendo que para se auto-iniciar basta realizar 21 ritos - 8 sabbats, 13 esbats durante um ano e um dia, depois achar um local bonitinho na natureza e fazer um ritual e tudo está perfeito. São pessoas que vivem uma auto-ilusão, e saem por ai cometendo toda sorte de maluquices, o que contribui para uma má fama em relação à bruxaria, obviamente.
2º Fato - Há realmente uma massificação de afirmações de alguns autores que afirmam absurdos nos livros, do tipo: "ao terminar de ler este livro você saberá o equivalente a um iniciado de terceiro grau". Ou pérolas do tipo: "se vc seguir tal e tal procedimento, esteja em que parte do mundo estiver vc pertence ao meu coven Bla Bla Bla...". Ou pior ainda: " Se vc rezar o salmo tal, fizer o feitiço de amor e amar seus vizinhos vc é uma bruxa natural"! Argh... hehehehe
Sim, esses autores são muito comercialóides, concordo, e em nada ajudam os que precisam caminhar sozinhos.
3º Fato - Examinando o universo de bruxos que se apresentam na cena pública, nacional e internacional, qualquer um conhece iniciados tradicionais que não são bem exatamente o modelo de sacerdotisa ou sacerdote que seria o mínimo necessário, bem como auto-iniciados de quem emana uma aura de poder e magia, de quem o simples falar ou se mexer traz a marca dos Antigos agindo na Terra, o que é a marca distintiva dos verdadeiros sacerdotes e sacerdotisas. Ignorar esse simples fato é estar de olhos fechados para a realidade que nos cerca.
Considerando esses fatos, como podemos, com justiça e realidade, analisar o tema da auto-iniciação?
Em primeiro lugar, não podemos, se estamos querendo examinar a Wicca como um todo, enterrar a cabeça na areia como avestruzes e ignorar que hoje 80 % ou mais dos wiccanianos é auto-iniciado ou descende de Tradições criadas por auto-iniciados. Somente 20% é iniciado Tradicional. Se tanto, acho que o número mais correto estaria por volta de uns 10% (isso lembrando que para Gardnerianos nem Alexandrinos são iniciados Tradicionais) ...
Pois bem: como se define Wicca hoje no mundo? Pelo que fazem e vivem 90 % dos seus integrantes ou pelo que fazem somente 10 %?
Creio que a resposta é mais do que óbvia: a imensa maioria dos praticantes de wicca na atualidade é auto-iniciada, ou aceita auto-iniciados. Assim, não se define algo pela exceção, mas sim pela regra. Faço esta observação repetindo o que não canso de falar: tradições rígidas tem seu valioso papel e as pessoas que sentem um chamado específico para essas Tradições, devem realmente busca-las. Não cabe a ninguém nem condenar os membros de Tradições rígidas, nem se ofender com o que eles acreditam. Mas é fato que eles são a minoria. E eles também não devem se ofender com essa constatação.
E por que a auto-iniciação se impôs como realidade irretorquível?
Exatamente pelo que estamos já carecas de saber: não há covens suficientes para absorverem os milhares de interessados, que nos procuram desesperados, sempre no pique do " me ajudem a achar um coven", "quero um mestre" , preciso da Deusa".
Isso é um outro fato a ser enfrentado: essas milhares de pessoas ouviram o chamado da Deusa porque Ela assim o quis... Vamos acordar, por favor, vcs que tiveram o privilégio de entrarem em Tradições?
Será que o melhor que vcs podem fazer por essas pessoas é dizer-lhes que a auto-iniciação nada vale?
Desculpem a sinceridade, mas isso é um desserviço aos Antigos. Antes centenas, milhares de auto-iniciados tentando honestamente viverem um sacerdócio dos Deuses Antigos, por orientação direta da divindade, por troca de experiência com auto-iniciados ou com associações como a Abrawicca, do que essas mesmas milhares de pessoas mendigando iniciações ou se tornando vítimas de toda sorte de picaretas.
Uma pessoa comum encontra mil dificuldades para começar a praticar wicca. A primeira delas é entender o que é ser pagão. Vcs que têm mais que 8 anos de prática ainda se lembram como era quando vcs tiveram que sair atrás de livros, de adivinhar como eram os rituais? Vcs se lembram quando não havia internet, nem se tinha acesso a livros estrangeiros facilmente? Pois é... Essa era a realidade de um brasileiro há uns dez anos atrás: nada. Nem ninguém para ajudar. Hoje mudou? Sim, há mais acesso à informação, mas isso é bom ou ruim? Sabem, a Abrawicca tem um selo de recomendação para sites... E infelizmente é dificílimo liberar esse selo, pois os sites de wicca que há por ai vão do lastimável à picaretagem explícita, infelizmente. Vcs pensam que é fácil passar por esse cipoal de confusões e chegar a alguém que celebre decentemente? Bom, a Abrawicca tenta fazer o melhor que pode para suprir esse papel de dar às pessoas um primeiro contato com informações e rituais sérios, mas, e nas cidades em que não há Abrawicca ou outro grupo de pessoas sérias? Ora, ai a coisa pega e a saída é mesmo aprender e trabalhar sozinho.
Mas, claro, muitas pessoas conseguem, depois de estudos, depois de compreenderem o que é paganismo, depois de entenderem o que a wicca propõe como modo de vida e o adotam, depois de conhecerem os ritmos da natureza e os do próprio corpo, depois de estabelecerem um contato pessoal com os Deuses pagãos e os elementos, depois de aprenderem a celebrar depois de praticarem magia, gerarem poder, fazerem exercícios mil e, sobretudo depois de conseguirem fazer um auto- analise a ponto de poderem lidar com a sombra pessoal, ai sim, algumas pessoas chegam a uma espécie de encruzilhada do Caminho. Elas pensam assim:
"Ok, já sei celebrar, faço feitiços que dão resultados apreciáveis, os Deuses regem minha vida, consegui compreender alguns de meus mecanismos internos de sabotagem e aprisionamento e me livrei deles, sou uma pessoa mais madura, mais serena, mais equilibrada do que era quando comecei... Vivo os ciclos das estações, sinto a Roda do Ano agindo na minha vida...E agora? Quem me inicia?"
Bom, costumo incentivar muito as pessoas que já praticam de verdade, estão em um processo consciente de autotransformação e estão bem conectadas com os Antigos, a fazerem a auto-iniciação. SIM, realmente, eu longe de combater, INCENTIVO a auto-iniciação daqueles que não têm acesso a covens tradicionais.
E agora explicarei os motivos disso. Acho que a auto-iniciação tem um papel importantíssimo: fazer com que as pessoas assumam com os Deuses Antigos um compromisso de entregarem suas vidas a eles, de serem seus instrumentos no mundo. Para mim, isso é sacerdócio plenamente válido.
Na verdade, nesse meu trabalho público, acompanhando dezenas de pessoas ao longo dos últimos 5 anos, valorizo a auto-iniciação como um elo que mantém e desenvolve o vinculo sacerdotal, de uma maneira que a simples dedicação jamais fará.
A Deusa emite um chamado. Creio que todos nós sabemos como ele é forte, lembro bem do meu, virou minha vida de ponta cabeça...Quando começamos a compreender a voz da Deusa nos chega, vemos maravilhas... começamos a perceber a magia que sempre houve no mundo, nossa conexão e´forte e os sinais são múltiplos, a Deusa é pródiga em maravilhas . Daí buscamos e começamos a praticar... aprendemos, crescemos, fazemos nossa Dedicação e tudo vai bem... O tempo passa, uma Roda, duas Rodas...e nada de aparecer um coven na nossa vida... Ok, seguimos... Entram na terceira Roda... De repente, do nada, começam a aparecer mil sinais em que a Deusa nos pede a auto-iniciação. Sincronicidades, sonhos, meditações. A Deusa é bem explícita. Ela aperta o cerco ao Dedicado. Nessa hora, ou ele ignora tudo isso ou se auto-inicia. Não há como esperar um coven, uma Tradição. E se ele escolher não se auto-iniciar, a experiência tem me mostrado que a tendência da conexão com a Deusa diminui...É como se uma estação de rádio fosse perdendo potência... vai diminuindo até que um dia se vai. A Deusa chama, cabe a nós aceitar ou não esse chamado. Se não há a auto-iniciação quando Ela assim exige, o praticante desiste, ou melhor, Ela desiste dele.
Como digo muitas vezes, a auto iniciação não é um mal em si. Ela é utilíssima e necessária, se feita por pessoa equilibradas, realmente bem intencionadas e que querem viver o Sacerdócio dos Antigos. Ela é um horror e um grande problema quando feita por pessoas imaturas e desequilibradas, que não conhecem a vida sacerdotal, não ouvem a voz dos Deuses e são auto-iludidas.
A auto-iniciação não vai destruir a bruxaria, mas a qualidade dos auto-iniciados é diretamente proporcional ao tempo e trabalho que nós, iniciados tradicionais , estamos dispostos a empregar partilhando com uma comunidade pagã necessitada nosso conhecimento e nossos conselhos. Isso é responsabilidade de todos nós, não um inimigo a combater.
Não é denegrindo a auto-iniciação que melhoraremos a Wicca como um todo, mas sim dando com nossas vidas e atitudes, com nossas conversas, seja na internet ou ao vivo um possível standard mínimo para que os que precisam da auto-iniciação possam realizá-la o mais próximo possível dos parâmetros da iniciação tradicional.
Lembrem-se: o mundo tem sede da Deusa!.
Escrito por Mavesper Cy Ceridwen